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Anticoncepcional oral e trombose é um assunto cercado de dúvidas e conceitos equivocados.
No consultório de Cirurgia Vascular e Angiologia somos responsáveis pelo diagnóstico e tratamento da trombose venosa (TVP) e muitas vezes somos obrigados a tratar desse assunto com nossas pacientes.
Esse artigo de perguntas e respostas vem esclarecer algumas das dúvidas mais comuns em relação ao uso dos contraceptivos hormonais e o tromboembolismo venoso.
Uma observação aqui. Usarei mais o termo trombose durante o texto, entretanto esse termo pode ser extrapolado para o tromboembolismo venoso que é a associação entre trombose venosa e embolia pulmonar, a principal complicação da trombose venosa.

As pílulas anticoncepcionais orais também são chamadas de contraceptivos orais hormonais. Eles são uma combinação de hormônios femininos que impedem a gravidez, interrompendo a ovulação e alterando o muco cervical e o revestimento uterino. Os contraceptivos orais são usados desde a década de 1960, mas foi na década de 1980 que eles se tornaram mais populares devido à sua eficácia, conveniência e reversibilidade. Eles também são populares porque não interferem na atividade sexual ou na fertilidade.

Há dois tipos de contraceptivos hormonais usados: os primeiros são os anticoncepcionais hormonais combinados, que contêm estrogênio e progesterona, e os segundos são os anticoncepcionais só de progestagênio. Os contraceptivos orais têm sido chamados de “a pílula” desde 1964 por um comercial da pílula Ortho-Novum 38C

Anticoncepcional aumenta o risco de trombose?

De uma forma geral, os anticoncepcionais orais combinados, aqueles que associam um hormônio derivado da progesterona e outro do estrogênio, aumentam em 2 vezes o risco relativo de uma mulher ter trombose em relação à uma mulher que não usa contraceptivo oral. Mas esse risco tem que ser colocado em um contexto mais abrangente.

Vamos lá! Para fazer uma comparação, a incidência de trombose venosa profunda em mulheres que não usam contraceptivo oral é de aproximadamente 4,7 casos de trombose para cada 10.000 mulheres. Já a incidência em mulheres que tomam contraceptivos orais combinados é de 9,1 casos de trombose venosa para cada 10.000 usuárias. Tais achados de incidência de tromboembolismo venoso em usuárias de contraceptivos orais provêm de um estudo europeu (EURAS) onde 58.674 mulheres foram acompanhadas por, em média 2,5 anos.

Observe que de forma relativa, a incidência de tromboembolismo venoso em usuárias de anticoncepcionais orais é quase o dobro de casos de trombose em relação às não usuárias.

Por outro lado, você sabia que para 10.000 mulheres gestantes, 29 terão trombose?! Pois é! O risco de trombose venosa profunda é praticamente 6 vezes maior em mulheres grávidas do que naquelas não gestantes e, 3 vezes maior que naquelas mulheres usuárias de contraceptivos orais combinados. É interessante notar que no consultório vascular muitas vezes recebemos mulheres preocupadas (e algumas encaminhadas por seus ginecologistas) com o risco de ter trombose venosa por usarem contraceptivos orais, mas pouco se fala no risco trombótico na gestação e puerpério (aquele período de algumas semanas após o parto).

Saiba mais sobre trombose venosa e embolia pulmonar

Existe diferença de risco de trombose venosa entre os tipos de anticoncepcionais?

Sim, existe! Como falado anteriormente, os anticoncepcionais orais combinados aumentam o risco trombótico em 2 vezes, em média. E o componente que proporciona esse aumento de risco é principalmente o estrogênio que compõe a medicação no contraceptivo oral. Quanto maior a dose de estrogênio, maior o potencial trombogênico. Os contraceptivos que tenham em sua composição somente progestágenos não aumentam o risco de trombose venosa. Além disso, outras modalidades de contraceptivos como DIspositivos Intrauterinos (DIU) de cobre ou hormonais (com progestágenos), assim como implantes de progestágenos não aumentam o risco de trombose venosa.

Posso tomar anticoncepcional se tiver tido trombose?

Depende! Você não poderá mais fazer uso de contraceptivos orais combinados (aqueles que têm em sua fórmula estrógenos e progestágenos conjugados), pelos motivos explicados nos parágrafos anteriores. No entanto, você poderá fazer uso de pílulas anticoncepcionais e de outros métodos hormonais (DIU e implantes) cuja composição é baseada em progestágenos.

Fui diagnosticada com trombose venosa, devo parar o anticoncepcional enquanto trato?

Essa é uma pergunta bem interessante com uma resposta surpreendente. Você pode não precisar parar de usar o contraceptivo oral combinado se houver a necessidade do uso dele durante esse período. Sabidamente os anticoagulantes usados para tratar a trombose venosa, aumentam o risco de sangramento uterino, dessa forma, a supressão da menstruação com o uso de contraceptivos hormonais pode ser uma estratégia para esses casos nos quais a paciente tenha sangramento uterino. Tomando o anticoagulante você estará protegida do risco de piora da trombose, mesmo que em uso de hormônio. O anticoagulante anula o efeito trombótico do anticoncepcional oral combinado.

Mas veja bem! A medicação anticoagulante tem que ser tomada regularmente, e aqueles anticoagulantes que precisam de controle com exames de sangue precisam estar na faixa terapêutica (seu médico ou médica saberá fazer isso).

Claro, se você puder substituir os contraceptivos hormonais combinados por aqueles à base de progestágeno será interessante porque, ao fim do período de tratamento da TVP, você perderá a proteção do anticoagulante e não poderá mais usar aquelas pílulas com estrógeno em sua composição. Se você e seu ginecologista não se sentirem confortáveis em manter o anticoncepcional durante o período de tratamento, e se você não tiver necessidade de mantê-lo, tudo bem em parar. Mas lembre-se, uma gestação não programada em meio ao tratamento de uma trombose pode ser bastante incômoda considerando que muitos dos anticoagulantes que usamos para tratar a trombose são teratogênicos, ou seja, são capazes de causar problemas nos embriões.

Calcule aqui seu risco de trombose venosa

Devo parar o anticoncepcional para fazer uma cirurgia?

Você não deveria parar de usar o contraceptivo oral se não houver nenhuma outra contraindicação hormonal para isso. Muitas mulheres e alguns cirurgiões têm uma percepção equivocada de que suspendendo o uso do contraceptivo oral no peri-operatório de cirurgias, diminuiriam o risco de trombose venosa no pós-operatório. Não há fundamentação científica nessa conduta. Esse comportamento é visto principalmente quando a paciente quer realizar uma cirurgia plástica ou até mesmo cirurgia de varizes.

Já é sabido que o risco de trombose venosa profunda (TVP) é maior nos primeiros meses de início do uso do anticoncepcional oral, cai significativamente após o 4º mês de uso e se estabiliza ao a partir do primeiro ano de uso. A interrupção do uso da medicação no período perioperatório faria com que o reinício do anticoncepcional na verdade aumentasse o risco de trombose venosa. Além disso, para usuárias de contraceptivos orais, o risco de TVP só cai ao valor basal após 3 meses de parada da medicação. Portanto, pela preocupação com o risco de TVP, e se não houver nenhum outro motivo médico, não há justificativa para a parada do contraceptivo oral nos períodos que antecedem ou sucedem uma cirurgia.

Preciso fazer algum teste de coagulação antes de começar a usar contraceptivos orais?

Essa é outra solicitação que tem aumentado muito em nossos consultórios nos últimos anos. Mas vamos tentar racionalizar quando esses exames têm justificativa de serem solicitados. Idealmente, considerando o aumento potencial do risco de trombose, o médico que prescreve um anticoncepcional oral deveria, no processo de escolha da medicação, tentar identificar fatores que pudessem adicionar risco extra de trombose venosa. Entre esses fatores, ganham relevância um histórico prévio pessoal de trombose venosa, familiares de primeiro grau que tiveram trombose, perdas gestacionais repetidas nos primeiros trimestres, obesidade e algumas condições médicas que a paciente possa ter.

Se toda essa avaliação de risco, feita durante a consulta médica, for negativa, não há a necessidade de investigar com exames laboratoriais ou de ultrassom-Doppler venoso algum fator de risco oculto. Por outro lado, uma história pessoal ou familiar consistente de fenômenos tromboembólicos pode dar início a uma investigação mais aprofundada.
Em resumo, existem muitos mitos e falta de informação dessa relação entre anticoncepcionais orais e tromboembolismo venoso.

Espero que esse artigo de perguntas e respostas possa ter ajudado nas suas dúvidas. Mas lembre-se, antes de iniciar o uso de contraceptivos orais hormonais, procure seu médico ou médica para orientá-la. Não inicie o uso de um contraceptivo oral hormonal sem orientação médica, de preferência, ginecologista. E nós, cirurgiões vasculares e angiologistas estamos aqui para ajudar a você e aos nossos colegas nos assuntos relacionados à circulação.

 

Fontes de dados e referências contidas nesse artigo (atualizada em junho de 2023):

  1. Hormonal therapies and venous thrombosis: Considerations for prevention and management. DOI: 10.1002/rth2.12763
  2. The safety of a drospirenone-containing oral contraceptive: final results from the European Active Surveillance Study on oral contraceptives based on 142,475 women-years of observation.  DOI: 10.1016/j.contraception.2006.12.019.
  3. Contraception and Venous Thromboembolism: Risk Factors and Clinical Considerations. DOI: 10.4236/ojog.2017.71003
  4. Oral contraceptives and hormone replacement therapy: How strong a risk factor for venous thromboembolism? DOI:10.1016/j.thromres.2021.03.012 
  5. Combined Oral Contraceptives and Venous Thromboembolism: Review and Perspective to Mitigate the Risk. Front. Endocrinol. 12:769187. doi: 10.3389/fendo.2021.769187
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